segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Repressão no Egipto. A propósito da visita de Sissi!-coronel-general Abdul Fattah al-Sissi




“Com Sissi, temos a repressão de Kadhafi sem o petróleo de Kadhafi”


Gamal Eid é o mais conhecido dos advogados de direitos humanos do Egipto. Aos 52 anos, já esteve preso várias vezes e foi torturado. Está impedido de deixar o país.
Em quase três décadas de defesa de acusados em casos de direitos humanos, o advogado Gamal Eid nunca pensou “ver tempos são obscuros como estes” que o seu Egipto atravessa. Eid, que falou ao PÚBLICO por telefone na véspera da chegada de Abdul Fattah al-Sissi a Lisboa, lidera a Rede Árabe para a Informação sobre Direitos Humanos (ANHRI, na sigla em inglês), organização que promove a liberdade de expressão, opinião e crença no mundo árabe, que fundou em 2003. No ano seguinte, juntava-se ao Kefaya(Basta), o movimento que tentou mudar o regime de Hosni Mubarak; em Setembro, viu os seus bens congelados, depois de já ter sido impedido de viajar.
Sissi chega a Portugal num momento em que o Egipto atravessa uma crise económica duríssima sem que a repressão dê tréguas. Como é que vê a nova lei sobre o funcionamento das organizações não-governamentais, aprovada terça-feira pelo Parlamento?
Este regime declarou as organizações de direitos humanos um inimigo e isso reflecte-se negativamente na imagem do país e também tem um impacto na economia, afastando o investimento externo, desencorajando os investidores. As organizações de direitos humanos independentes e livres são atacadas permanentemente, têm os seus bens congelados, os seus representantes e funcionários estão banidos de viajar. Por oposição, as organizações corruptas e cúmplices são bem-vindas e encorajadas pelo Governo.
Já no sábado, três responsáveis do Sindicato dos Jornalistas, incluindo o seu presidente, foram condenados a dois anos de prisão.
As condenações dos responsáveis do Sindicato dos Jornalistas são um ataque sem precedentes contra a liberdade de imprensa e chegam como um culminar de medidas contra a liberdade de imprensa – canais por satélite encerrados, jornais confiscados, pelo menos 50 jornalistas detidos, um número muito significativo e sem precedentes na história moderna do Egipto. A perseguição ao presidente do Sindicato é ainda mais grave, não tem qualquer antecedente no país.
É o primeiro ataque ao chefe de um sindicato (os sindicatos têm estado a salvo dos regimes, são quase sagrados)?
Exactamente.
Porque é que a Tahrir nunca mais se encheu? Sissi matou o protesto com a repressão? Os egípcios estão traumatizados?
A primeira razão para a ausência de grandes protestos é que actualmente se a polícia ou os militares vêem qualquer movimento nas ruas respondem de forma muito violenta e atroz. Não tem de ser uma manifestação, estamos a falar de qualquer movimentação de pessoas. Por outro lado, o que tem acontecido é que muitos trabalhadores enfrentam julgamentos militares por organizarem greves ou protestos e como os media estão controlados pelo Estado há muito poucas notícias sobre as inúmeras greves que têm sido organizadas. Vemos muitos trabalhadores que enfrentam violações dos seus direitos constitucionais e isso está quase ausente da cobertura mediática, como acontece num regime de ditadura como era o de [Muammar] Kadhadi ou o de Saddam [Hussein, na Líbia e no Iraque].
Mas nunca mais houve multidões nas ruas.
Os protestos e as greves nunca pararam, desde que recomeçaram com Sissi continuam. Nós estamos sempre a incluí-los nos nossos relatórios e boletins. Mas os protestos massivos, a uma escala como a da Tahrir de 2011, apesar do movimento civil democrata no Egipto enfrentar o regime militar, e também o religioso, há medo de um cenário como o do Iraque e da Síria. Sissi, na sua retórica, defende que o Egipto não é a Síria nem o Iraque mas, ao mesmo tempo, conduz o país no mesmo caminho desses países.
Fala no movimento civil democrata. Ainda há espaço livre para a crítica e a dissidência?
O espaço está a encolher e a desaparecer. Mas os defensores dos direitos humanos e os opositores continuam o seu trabalho e pagam o preço disso, criticam o regime e pagam pelas suas críticas. Ou são ilegalmente presos e julgados ou têm de deixar o país e são forçados ao auto-exílio, o que tem acontecido com muitos.
Tem medo? Já pensou sair do Egipto ou desistir do seu trabalho?
Estou impedido de deixar o país. Às vezes tenho medo, mas prefiro viver com medo do que ser cúmplice. (PÚBLICO)

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