quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Luís Vargas o cartonista do Twitter que incomoda a direita

Usa humor, números do INE e a sigla PAF para desenhar “cartazes” que enfureceram coligação. Amador e sem ligação a partidos, achou o primeiro do PS “muito mau” e decidiu entrar na guerra


Começou há 21 dias, a 30 de julho. A imagem é de um sem- abrigo sentado, cabeça baixa, com o carrinho de supermercado em que transporta os pertences ao lado, junto a um cartaz com a imagem de Passos Coelho e o slogan “Portugal Pode Mais”. No dia seguinte, aprimorava- se a mensagem: a foto de um avião a levantar rumo ao poente, com os dizeres “500 000 emigrantes numa só legislatura” e “Portugal Pode Mais”. Em cima, o símbolo da coligação Portugal à Frente e dos dois partidos que a compõem, PSD e CDS. Um cartaz, portanto. Seguiram- se, até ontem, mais 33 intervenções, entre cartazes e vídeos: a última é um outdoor com o rosto da ministra das Finanças, máscara de gelo e olhar azul fantasmagórico e a frase “Winter is coming. Again ( O inverno vem aí. Outra vez)” –, alusão à série Guerra dos Tronos e aos mortos vivos que vêm do gelo para dizimar os humanos.
As publicações, efetuadas no Twitter através da conta @ varguizm, identificada com rosto e apelido ( Vargas), tiveram sucesso imediato: foram difundidas por dezenas de pessoas, cujas publicações por sua vez têm sido difundidas por outros utilizadores, no processo de multiplicação típico da rede – o retweet –, e criaram uma tendência. Neste momento existe já um “gerador de cartazes” online para que qualquer um possa criar o seu ( saiba como na caixa ao lado). E chegaram rapidamente às televisões. A 8 de agosto, a SIC reproduzia várias, sem mencionar a autoria dos cartazes, e interpelava as campanhas da coligação e do PS sobre o assunto ( ver texto na página ao lado). “‘ Portugal pode mais’ é irónico” Luís Vargas, o autor desta campanha de um homem só ( na verdade, quase só: o amigo e ex- colega da yDreams Vasco Mendonça, criativo da agência de publicidade Escritório, ajuda com sugestões e opiniões), tem 37 anos, nasceu em Lisboa, é designer industrial com um mestrado em Engineering Design pelo Instituto Superior Técnico e criou em fevereiro, com duas outras pessoas, uma agência de comunicação, a Fisherman. Onde a sua função, diga- se, nada tem que ver com o tipo de produto que coloca no Twitter: “Faço design industrial, web design e programação. Quem trabalha na outra parte são os meus dois sócios, pelo que não, não estou a fazer isto como promoção da agência.”
E f az porquê, então? Sentado na cafetaria do novíssimo Museu Resistência e Liberdade, criado no edifício onde funcionou a prisão política do Aljube, Luís sorri. “Sempre gostei da sátira política. Criei a dada altura, quando passava temporadas de trabalho na Suíça – que acho um lugar muito maçador – um site satírico, para me distrair, em que colocava políticos a, por exemplo, levarem estalos. Tinha algumas coisas um bocado hardcore [ Mostra no iPad i magens do site, que j á não está online]. Era o Arrefinfa- lhe, que teve imenso sucesso.”
O envolvimento no debate político, porém, começou antes, enquanto ainda estava a trabalhar na empresa yDreams ( de 2008 a 2013) e começou “a seguir alguns blogues e a comentar”. No Twitter nunca tinha feito nada ( tinha apenas setenta tweets até ontem] até que no início do ano publicou “algumas coisas” sobre a situação na Grécia. Mas ter estado nessa altura em Londres e ter apanhado a campanha eleitoral teve relevo para o que veio a seguir. “Fiquei estupefacto ao ver nos telejornais britânicos as contas dos diferentes programas, tudo explicado. Cheguei cá e vi o PS lançar o cenário macroeconómico, pensei que desta vez ia ser diferente. Mas não, voltou tudo ao costume. E a seguir o Costa sai- se com aquele cartaz inqualificável, o da ‘ IURD’ [ refere o primeiro cartaz da campanha do PS que, muito satirizado nas redes sociais, foi retirado de imediato] e a PAF faz cartazes de puro spin, tipo ‘ Nós fizemos bem’.”
O momento em que decidiu avançar foi o da revelação do slogan da coligação governamental: “Achei muita graça ao ‘ Portugal pode mais.’ É muito irónico. E foi completamente impulsivo. Percebi que no digital não havia nenhuma campanha e nas conversas com o Vasco [ Mendonça] surgiu a ideia de fazer “hashjacking” ao slogan [ a hashtag é, no Twitter, a identificação de um tema; quando se coloca o mote da coligação o que surge são já as imagens de Vargas e não os verdadeiros cartazes da coligação, ou seja, o intuito foi bem sucedido].” Com que objetivo? “Vivemos num país em que há liberdade de expressão e ao mesmo tempo os media portugueses só se preocupam com coisas que não interessam a ninguém. Aliás, acho que o grande problema da nossa democracia são os media. Toda esta discussão sobre os cartazes, por exemplo, só se prende com coisas superficiais, apesar de num lado vermos vontade de discutir coisas concretas, propostas, números e do outro parecer só haver vontade de fazer galhofa e de não falar do futuro. Daí que queira revisitar estes últimos quatro anos, fazer uma revisão da matéria. Algumas coisas dão- me bastante trabalho, porque procuro estatísticas oficiais, factos. Por exemplo numa imagem que fiz com todas as empresas privatizadas estive que tempos a pesquisar para encontrar todas e os respetivos logos. E até eu fiquei pasmado com a quantidade, ao vê- los todos juntos. Outra coisa em que perco bastante tempo é a parte visual. Quero que fique muito bem feito, senão não há impacto.” “Quanto é que te pagam?” Como seria de esperar, não tardaram as acusações de “estar a soldo”: “Comecei a ouvir bocas: então, quanto é que te pagam?” Luís Vargas ri. “Até fiz uma imagem com cheques.”
O certo é que não tinha sido contactado por qualquer jornalista até ao pedido de entrevista do DN, talvez por se ter partido do princípio de que a sua conta de Twitter é “do PS”. Mas se Luís, filho de dois informáticos da IBM declaradamente de esquerda mas neto de uma mulher de direita ( a avó materna, de quem fala com admiração e orgulho, pela sua “enorme inteligência” e por ter sido uma das primeiras mulheres a formar- se em Medicina em Portugal), assume ter votado sempre no PS e até se proclama, numa altura em que dizê- lo é tão pouco grato, “socrático” – “Distingo entre a atividade governativa e as questões do foro pessoal, e do governante tenho uma opinião muito positiva, até pela área em que me movo, a da tecnologia e da investigação, em que assisti a progressos formidáveis” –, também assegura prezar muito a sua liberdade. “Se fazia isto se me pagassem? Acho que não. Porque deixava de poder fazer aquilo que quero.” (fonte DN/Lisboa)

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