sábado, 14 de fevereiro de 2015

Mãe de António Costa foi chefe de redacção do Século Ilustrado

Maria Antónia Palla progenitora de António Costa

Maria Antónia Palla: "Não tinha, como não tenho ainda hoje, respeito pelas hierarquias"

Dedicou a vida à luta pela liberdade, através do jornalismo e na defesa das suas causas. Feminista emblemática, Maria Antónia Palla edita as suas memórias. Onde aparece a sua relação com o filho, António Costa.



Aos 81 anos, Maria Antónia Palla aceitou sentar-se com Patrícia Reis e com ela registar algumas memórias. Editado pela Matéria-Prima Edições, o livroMaria Antónia Palla — Viver pela Liberdade, não é uma biografia porque, como a própria ironiza: "Não sou o Churchill."
Tem aparecido na comunicação social nos últimos tempos porque é mãe de António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, candidato a secretário-geral do PS e a primeiro-ministro. Situação que gere com distância, separando o filho do político, mas assumindo as expectativas sobre "se ele vai conseguir ou não fazer uma mudança tão profunda quanto" ela deseja.
Senhora de uma vida cheia, em que a sua sede de liberdade e a sua coragem a levaram a rasgar fronteiras, é uma combatente de causas, tendo-se destacado como feminista e como jornalista. Por vezes, as duas condições associaram-se, como quando, em 1976, aceitou fazer com Antónia de Sousa a série de documentários Mulher para a RTP.
Anos depois de escrever escapando à censura do Estado Novo, foi em democracia que se sentou no banco dos réus por "ofensa ao pudor e incitamento ao crime" após a direcção da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, ter feito queixa de si por "exercício ilegal da medicina". Tudo porque Maria Antónia Palla foi a autora e responsável do programa Aborto não É Crime, incluído na série Mulher e emitido em Fevereiro de 1976. Absolvida em 1979, o seu processo funcionou como base de lançamento da campanha para a despenalização do aborto.
A outra causa que protagonizou após o 25 de Abril, mas aqui com menos sucesso, foi a da luta pela democracia em Angola. O seu apoio a Jonas Savimbi levou-a várias vezes à Jamba.
Jornalista emblemática, foi a primeira mulher inscrita no Sindicato dos Jornalistas, a cuja direcção ascendeu depois do 25 de Abril, com mais duas mulheres, Maria Antónia de Sousa e Maria Antónia Fiadeiro. Maria de Lurdes Pintasilgo chamou-lhes "as três Antónias", adaptando a imagem das "três Marias", aplicada às autoras das Novas Cartas Portuguesas: Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.
Em 1968, com Margarida Silva Dias e Maria Armanda Passos, constituiu o primeiro grupo de mulheres jornalistas a serem admitidas por concurso na redacção do Diário Popular — depois de Maria Virgínia Aguiar ter pertencido por um breve período àquela redacção, que teve de abandonar porque tinha cometido "o horrível pecado de engravidar".
Despedida do Diário Popular, por insistir em fazer um balanço do Maio de 68 em Paris, que editou em livro — Revolução, Meu Amor —, entrou no Século Ilustrado, sendo a primeira mulher a integrar a redacção da empresa Século — com a garantia dada por Francisco Mata a Guilherme Pereira da Rosa de que era mulher mas "escreve como um homem". No Século Ilustrado chegou a chefe de redacção ainda antes do 25 de Abril. Mas foi em democracia que viu fechar o império da comunicação que era a empresa Século.
Como vê hoje o facto de o seu trabalho como jornalista a ter levado a ser acusada de "ofensa ao pudor e incitamento ao crime" em 1976, já em democracia?
São as contradições dos fenómenos históricos. O aborto era realmente um problema sensível, mas não para a sociedade portuguesa, porque o aborto era divulgadíssimo em Portugal. Para uma larga margem da população era o único método contraceptivo. Não sendo, era usado como tal. Mas realmente, para os detentores do poder, sabia-se que se fazia, mas era daquelas coisas de que não se falava. E como as grandes vítimas eram as mulheres, ainda menos se falava. Até não vou dizer que as grandes vítimas eram as mulheres mais pobres. Eu não tenho essa ideia.
Era transversal?
Todas as mulheres da minha geração, da classe média ou da classe alta, fizeram abortos. E todas nós corríamos os riscos dos abortos feitos a sangue-frio ou, quando havia mais dinheiro, com anestesia, mas sem controlo da anestesia. Isso também causou mortes. Depois do 25 de Abril, em relação à mulher, a luta que havia a fazer era mesmo a do aborto.
Os três anos do seu julgamento acabaram por ser decisivos na luta pela despenalização do aborto. Acabou por pressionar os partidos. Concorda?
É. Lançou a campanha. E não pressionou só os partidos, mas as associações. Permitiu que as associações de mulheres de diferentes ideologias se tivessem juntado e feito uma campanha nacional, que se chamou Campanha Nacional para a Contracepção e Aborto. A imprensa foi actuante e muito apoiante da ideia de legalizar o aborto. E depois houve o sentimento também de que era uma causa popular. Nesse tempo, nunca fui abordada na rua por pessoas que me insultassem ou que me dissessem coisas desagradáveis. Não. Toda a gente vinha ter comigo, os empregados das pastelarias, por exemplo, e diziam: "Coragem, minha senhora. Este problema tem de se resolver." Isto também sensibilizou a classe dos juristas e quer o juiz quer o delegado do Ministério Público pediram a minha absolvição. Com esta conclusão: que eu, como jornalista, tinha não só o direito mas o dever de tratar de um problema social que atingia a sociedade de uma forma tão grave. A Associação de Planeamento Familiar calculava que em Portugal se realizavam cerca de 300 mil abortos por ano. (público)
Pai de António Costa era militante do PCP
Colega de Maria Barroso, de Augusto Abelaira e de Jacinto Baptista, Orlando da Costa, militante do PCP, apoiou a candidatura de Norton de Matos e foi preso três vezes pela Pide (1950-1953). Da última vez, permaneceu no cárcere em Caxias por cinco meses e uma semana (acusado de militar em defesa da paz). Aí escreverá a sua tese. Passou pelo ensino particular até ser proibido de ensinar e trabalhou na publicidade.




António Costa, um político para além da cor da pele


Será a eleição do novo líder do PS e candidato a primeiro-ministro uma vitória sobre uma barreira de racismo? Especialistas dizem que não. Trata-se de um descendente de goeses brâmanes católicos, os portugueses da Índia.
Corria o ano de 1976, Maria Antónia Palla foi buscar o filho António Costa à escola. Raramente o fazia, mas naquele dia chegou à porta da Escola Fernão Lopes, já instalada no Palácio dos Condes de Cabral, no Largo António de Sousa Macedo, em Lisboa, e perguntou pelo filho a um contínuo. Depois de alguma insistência, o homem lá percebeu quem era a criança cuja mãe ali se apresentava e soltou a frase: “Ah, é o preto!”
Maria Antónia fica pasmada. Mas também muitíssimo preocupada. À noite, já em casa com o filho, decide falar-lhe sobre o que via como um problema: a hipótese de o seu filho ser vítima de racismo. Com cuidado redobrado, pergunta ao rapaz como é que o tratam na escola. Ele responde pronto: “António!” Ela insiste: Ele acrescenta o apelido e diz que também o tratam por António Costa. Como a conversa não evoluía, Maria António Palla relata ao filho o sucedido à porta da escola e a reacção do contínuo. Tranquilo, António Costa pergunta-lhe: “Ó mãe, tu já olhaste para mim? Já viste a minha cor? Eu sou escuro mesmo.”
António Costa nasceu em Lisboa a 17 de Julho de 1961, filho da jornalista Maria Antónia Palla e do escritor Orlando da Costa. E se Maria Antónia era de uma família portuguesa, republicana e laica do Seixal, Orlando era filho de uma família goesa, brâmane e católica de Margão, território que foi integrado na Índia em 1961, com a anexação das possessões portuguesas Goa, Damão e Diu. Filho de uma portuguesa da metrópole, branca, e de um goês de Margão, indiano portanto, António Costa herdou características fenotípicas do pai, ou seja, a cor da sua pele é castanha, como é próprio das populações da Índia.
“Nunca me limitou”
Hoje, como na sua adolescência, António Costa vive bem com a cor da sua pele. Ao PÚBLICO afirma: “A cor da pele nunca me limitou, nunca.” Perante a pergunta sobre se alguma vez se sentiu discriminado, vítima de racismo, garante: “Eu, pessoalmente, nunca senti. Posso ter ouvido uma ou outra vez chamarem-me 'monhé', mas é episódico.” E explica que a cor da pele sempre foi vivida por si “com normalidade” e sem se sentir diferente ou especial por isso: “Também não era motivo de orgulho.”
O candidato a primeiro-ministro diz mesmo que só agora surgiu “um grande interesse dos jornalistas sobre isso”, o que atribui ao facto de a sua vitória nas primárias ter sido noticiada em jornais indianos como o Hindustan Times(29/09/2014) e o Economic Times (30/09/2014), que salientaram o facto de, pela primeira-vez, um candidato a primeiro-ministro no Ocidente ser de origem indiana.
“Na Índia o assunto é notícia porque há actualmente uma nova atitude em relação aos goeses”, explica António Costa. “Há uma coisa nova, os indianos têm uma relação mais descomplexada com os goeses e Goa já tem governos hindus.” E sublinha que há um novo interesse “sobretudo em relação aos goeses que tinham vindo para Portugal, que eram mal vistos, havia uma barreira contra os goeses em geral, porque consideravam que eles estavam feitos com os colonialistas”.
O secretário-geral do PS considera mesmo que a sua ascensão a este cargo e a sua escolha em eleições primárias como candidato a primeiro-ministro nada têm que ver com a quebra de uma barreira contra o racismo na política portuguesa. Esta posição de Costa é confirmada ao PÚBLICO pelo antropólogo goês e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, Jason Keith Fernandes. “A vitória de António Costa não significa que não há racismo”, afirma este investigador. E lembra: “Os ingleses quase ‘inventaram’ o racismo, mas estavam na Índia com o seu império e tratavam os filhos dos rajás como brancos, estes estudavam em Oxford, como os filhos da elite inglesa, eram completamente ingleses. Em qualquer império as elites dos territórios são tratadas como as elites do centro.”
Jason Keith Fernandes afirma que “para perceber o racismo é preciso analisar como são tratados os goeses de classes baixas, onde as pessoas não têm poder, não são especiais”. O facto de um filho de um goês de elite ser candidato a primeiro-ministro não altera nada em relação ao racismo quer seja na política, quer seja na sociedade em geral. E avança com um exemplo: “A Índia teve uma mulher primeira-ministra, Indira Gandhi, e isso nada indica sobre o estatuto da mulher na Índia.”
Pelo contrário, este investigador defende que só a existência da dúvida sobre se há diferença em Costa já mostra que o racismo permanece. “Conta-se a história de uma senhora goesa que se ofendeu porque num restaurante de Lisboa ouviu comentar que ela comia como os portugueses e falava como os portugueses”, conta Janson Keith Fernandes. E conclui: “Ela ofendeu-se por terem duvidado. O espanto vem da dúvida de que possa ser verdade. O dilema é esse, a dúvida mostra que não estamos num espaço sem racismo. Estamos todos marcados pelo racismo. Basta o facto de dizermos que não somos racistas para já estarmos a levantar o problema. Há racismo e o que há a fazer é falarmos disso.” (público)
A 24 de Junho de 1965 o Século Ilustrado apresentava uma capa totalmente dedicada aos Beatles com o seu quê de psicadelismo de espelho da feira Popular

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