sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Coelho homem de Abril, quando nos anos 80 estava em outras lutas

“Quem oculta dívida deve perder o mandato”

Há um conjunto de actores constitucionais que estão adormecidos
Paulo Morais tem sido uma voz activa contra a corrupção e uma das caras mais conhecidas pelos portugueses nessa matéria.

Entrevista com Paulo de Morais

O vice-presidente da organização ‘Transparência e Integridade’ está hoje na Madeira para participar num jantar/ debate promovido pela Confraria dos Cavalheiros da Tábua Redonda subordinado ao tema ‘Corrupção: Obstáculo ao desenvolvimento’. Antes, falou com o DIÁRIO.A Madeira viu recentemente arquivada uma investigação à dívida oculta regional, uma situação considerada ‘corrupção’ por alguns partidos da oposição... Sem querer entrar a fundo nessa situação, a verdade é que é conexa com outras existentes no país de problemas de desvios nas contas públicas, que não deviam existir.As contas estão orçamentadas e deviam ser respeitadas. O que vem acontecendo é que sempre que alguém chega ao Governo diz ter encontrado surpresas. E isto não deve acontecer nem no Governo da República, nem nos Governo Regionais, nem nas Câmaras Municipais. Quem ocultar dívida está a incorrer numa ilegalidade, que está já prevista na lei, mas que se mude a lei se esta é insuficiente. Quem oculta dívida tem de perder o mandato.
Mas o que é ao certo a corrupção? É a utilização do poder delegado em benefício próprio. A principal função dos políticos é arranjar empregos e tachos para os ‘boys’. A corrupção em Portugal é sistémica e está aos olhos de todos: Expo 98, Euro 2004, BPN, PPP’s.
 Como se combate? Com uma estratégia de corrupção que não existe. Todo sistema falha no combate à corrupção. Combate-se a corrupção, e isto será talvez, a última fase, mas começo por aqui: Quando qualquer um de nós for um militante contra a corrupção, independentemente do local que ocupa na hierarquia social e política.  Em termos práticos, combate-se aumentando a transparência da vida pública. É fundamental que as pessoas saibam qual o valor da dívida pública, onde são gastos os seus impostos, qual a estrutura da receita e despesa da vida pública, designadamente nos Governos Regionais, nas Câmaras Municipais. Que nunca por nunca haja divida oculta, porque isso é um dos alimentos da própria corrupção e depois haver legislação...
Existe legislação... Grande parte da legislação portuguesa de maior relevância económica já nem vêm do parlamento, mas das grandes sociedade de advogados, que fazem-na levando em linha de conta o interesse dos grupos económicos a que estão vinculadas. Aí tem de haver uma grande alteração.Mas refere-se a uma alteração à lei de incompatibilidades para detentores de cargos públicos, de forma a que não haja políticos simultaneamente advogados no activo?Absolutamente. Concordo. Mas estava a explicar que a legislação mais importante na área económica – urbanismo, ordenamento do território, obras públicas, concessões, Parcerias Público-Privadas (PPP) – tem de deixar de se feita pelas sociedades de advogados, como até agora.Esse tipo de legislação tem de ser simplificada, revogada e voltar ao parlamento que tem de decidir. Para que isso aconteça não podem estar no parlamento deputados que são simultaneamente advogados e que estão ali, não a defender o interesse público, mas das sociedades que representam. Finalmente, tem de haver uma actuação da justiça, para que promova inquéritos, faça acusações, detenha criminosos, promova julgamentos e que no fim haja condenados e presos, o que em Portugal não acontece nunca.
Há uma impunidade? Mesmo que haja condenação, as pessoas são condenadas a prisão efectiva como aconteceu com o Armando Vara no processo Face Oculta, mas continuam em liberdade à espera das decisões dos sucessivos recursos. E o aspecto mais relevante de tudo isto, a corrupção combate-se recuperando para a sociedade os activos que são tirados. Tem que haver, à semelhança do que existe noutros países mais desenvolvidos, meios de confisco, de forma a que as fortunas dos que beneficiam da corrupção revertam para o Estado. O confisco é uma prática comum em países  como a Inglaterra, a Alemanha, e em Portugal  não há nunca recuperação de activos. Aí é que se devia actuar, em primeiro lugar porque era dinheiro para abater a dívida pública e, em segundo, porque poderia servir para dotar os tribunais de meios para actuar e, sobretudo, por uma questão de justiça e equidade. Não podemos permitir que em casos como o BPN, os donos fiquem com o dinheiro subtraído aos portugueses por via do Orçamento de Estado.Fala-se muito de corrupção nos cafés, mas como é que o cidadão a pode censurar? As pessoas parecem aceitar a corrupção como uma coisa intrínseca da sociedade portuguesa... Penso que não, as pessoas estão revoltadas, mas não sabem como actuar perante a dimensão da questão. Não é um simples trabalhador não qualificado que vai resolver o problema do BPN e dos submarinos, tem de ser a outro nível. Mas todos nós, por mais humildes que sejamos, no nosso quotidiano conseguimos combater a corrupção. Como? Evitando que nos passem à frente numa fila seja para o que for, até para o cinema. Mas não só. Não devemos permitir que um colega meta baixa quando não está doente e quer ir dar uma volta. Os cidadãos devem estar todos atentos e perceber que cada vez que compactuam com esses comportamentos de pequena corrupção estão a permitir ou a provocar que o nosso país seja pior daqui a 30 anos.
Em que medida? Há uma forte relação entre corrupção e subdesenvolvimento. É necessário que as pessoas percebam que sempre que alguém mete uma baixa indevida está a contribuir para um país pior na próxima geração.
Para combater a corrupção é preciso mudar os partidos? Sem dúvida que é preciso uma aproximação entre ele eleitores e eleitos. Se houvesse, não acontecia o que acontece hoje em que a maioria dos eleitos depende das lideranças partidárias. Temos um drama hoje em dia que é o facto de os políticos corruptos não serem a maioria em Portugal – são 10, 15% - o problema é que são os que mandam mais. Os outros o que é que andam lá a fazer? A manter o lugar, porque quem é vereador ou deputado em Portugal tem sempre um conjunto de regalias que lhes dão um certo conforto de que não querem abdicar, porque conseguem empregos para a família, fazer obras mais rapidamente. De vez em quando oferecem-lhes uns bilhetes para o futebol. As pessoas acabam por se vender por essas migalhas e, apesar de o grupo de políticos corruptos ser minoritário, todos os outros acabam por ser cúmplices. São todos responsáveis. Tanto rouba quem vai à horta, como quem fica à porta.
Este tipo de corrupção – os empregos, as mordomias - é, porém, o que mais facilmente escapa ao controle? Tem razão. As consequências económicas até podem ser menos gravosas, mas as consequências sociais são dramáticas. Temos hoje em todo o Portugal, uma estrutura de emprego que tem pouco ver com qualidade, mas com a política na administração pública.  Quando um concurso privilegia a entrada de ‘boys’ dos partidos, invariavelmente há três consequências que destaco: A primeira é que criam-se empregos muitas vezes desnecessários, o que tem um dano económico gravíssimo, é uma fonte de prejuízo,  depois, mesmo quando os lugares são necessários, a atribuição de um posto qualquer a um ‘boy’ de um partido em detrimento de alguém que é competente cria um sentimento de revolta e injustiça nas pessoas. Mas pior, quando se nomeia um incompetente ele vai tomar decisões durante anos e como não tem competências toma decisões erradas o que leva a que os serviços funcionem mal. Muitos serviços públicos funcionam mal porque quem os lidera não são bons gestores, mas bons angariadores de votos. São bons a encher camionetas e a transportar militantes. Há poucas excepções.Foi vereador da Câmara do Porto. Tem conhecimento, por dentro, da realidade autárquica e destas questões. Fui dirigente de uma juventude partidária, de uma associação de estudantes, tive de facto alguns cargos, entre eles, fui vice-presidente da Câmara do Porto e em todos os lugares que ocupei na Administração Pública, o que sempre detectei é que foi sempre a corrupção o principal factor que impediu que as coisas funcionassem bem. Na minha passagem pela Câmara do Porto eu e os meus colegas sempre lutamos contra a corrupção, que aliás fazia parte do programa. Mesmo a pequena corrupção era combatida permanentemente. A grande corrupção nas Câmaras, como todos sabem, é ligada aos pelouros do urbanismo – são fenómenos de rentabilidade obscena, que eu comparo ao tráfico de droga. Fui vereador do urbanismo e aí o combate à corrupção era permanente, não acontecia.É possível mudar aquilo que é o conhecido por ‘sistema’ por dentro? Penso que a vida partidária como é hoje não é possível mudar. Fui militante de um partido [PSD] durante anos e acabei por sair porque entendi que neste sistema já não há nada a fazer, com esta lógica vigente não é possível. E atenção que não defendo pausas na democracia, mas um reforço.Mas isso tem de se passar pelos partidos? Acho que tem de haver uma pressão externa. Neste momento não acredito que os partidos do actual sistema se regenerem. Externa de quem? Da opinião pública, da sociedade civil e daqueles que têm obrigação de zelar pela democracia: O Presidente da República, o presidente do Tribunal de Contas. Há toda uma série de actores constitucionais que têm de fazer o seu papel e chamar os partidos a cumprir a lei. Há uma coisa extraordinária e que acontece há anos: Os partidos ganham as eleições com um programa e fazem outra quando governam. Aconteceu com Passos Coelho, com Sócrates, com Durão Barroso e isto é uma perversão democrática. Quem é que tem de obrigar o Governo a cumprir o programa? O Presidente da República. A quem cabe impedir que o Estado pague contratos ilegais? Ao Tribunal de Contas. Há um conjunto de actores constitucionais que estão adormecidos e que têm de acordar para a sua missão.
Voltando à Madeira. As Regiões Autónomas devido à orografia são mais propícias a fenómenos de corrupção? É uma pergunta difícil. Em espaços mais pequenos é normal desenvolver-se um determinado tempo de corrupção, num meio mais cosmopolita desenvolve-se outro tipo, mas não há corrupção  boa e má. Toda tem o mesmo tipo de prejuízo.Aquele tipo de corrupção mais passiva de que falava há pouco está relacionado mais com  meios mais pequenos? O que se passa nos meios mais pequenos  é que as redes clientelares são mais asfixiantes. É mais difícil é estar à margem deste tipo de fenómenos, nomeadamente no que diz respeito ao emprego. Isso tem a ver mais com clientelismo, nepotismo, já que todos dependem directamente do poder local. Numa pequeno concelho normalmente a Câmara é o principal empregador, o segundo é uma média empresa que não quer problemas com o poder vigente e claro que quem está de fora pode nunca ter emprego ou progredir na carreira.
Portugal em 33º no ranking da transparênciaA associação cívica Transparência e Integridade faz parte da organização internacional ‘Transparency International’ que se debruça sobre as questões da transparência e corrupção.  Todos os anos é publicado um ‘ranking’ internacional em Dezembro, que coloca Portugal em 33º no que toca à transparência, numa lista de 177. “Está na cauda da Europa, com Espanha, Itália e Grécia”, explica Paulo de Morais, rapidamente relacionando com a crise que mais afectou estes países. “Pior do que isso, foi o país onde a situação mais se degradou nos últimos dez anos”. A associação dedica-se ao combate à corrupção, nomeadamente patrocinando estudos e apoiando pessoas. “Ajudamos a perceber se se configura ou não uma situação de corrupção”, conclui.(Diário/assinantes)

Um dos panfletos distribuidos nos anos 80 do século passado pelo deputado José Manuel Coelho, quando militava no PCP/APU (Aliança Povo Unido)
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